"Contudo, recebereis poder quando o Espírito Santo descer sobre vós, e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra!” Atos 1, 8 Para Quesada, a inexistência de comentários ou recordações acerca de um dos líderes do cristianismo pode entender-se como desconhecimento por evacuação clandestina do corpo. Á exceção do testemunho vago de um peregrino anônimo na Terra Santa, datado do séc. V (o Placentino) que dizia ter visto o sepulcro de São Tiago Maior no Monte das Oliveiras, não há vestígios de túmulo por ali. O Grande Templo Armênio de Jerusalém (antes gregoriano) preza-se de ter em lugar privilegiado da nave central, o altar de Santiago Menor, e debaixo do altar-mor o seu túmulo. Ou seja, este templo tem como valor principal o culto sepulcral a Santiago Menor. De Santiago Maior (o nosso São Tiago) apenas está dedicada a capela da decapitação, onde se diz que está enterrada a sua cabeça, mas sem constância real de tal relíquia, enquanto que a própria tradição armênia faz constar que o corpo foi trasladado a Espanha (texto original do princípio do séc. VII, anterior ao descobrimento do sepulcro em Compostela). Este facto explica a peregrinação de muitos armênios ao sepulcro jacobeu em Compostela no séc. XII, como consta no Códice Calixtino. Assim, a ausência da sua figura nas Escrituras, a carência de culto sepulcral e a tradição armênia, justificam a sintonização com a lenda: Santiago ausentou-se por um longo período de tempo, foi executado ao regressas e depois clandestinamente evacuado a um lugar distante. Na verdade, a velha Tradição Jacobeia, mais do que uma manipulação religiosa ou militar, é uma possibilidade coerente e a resposta mais lógica e exequível nas circunstâncias da morte do Apóstolo São Tiago. É importante considerar que a travessia Palestina-Galizia foi uma concretização desde o tempo dos fenícios (dez séculos antes de Cristo), fundadores da chamada rota do estanho até às Ilhas Britânicas pelo Atlântico, passando pelas costas da Península Ibérica. Ou seja, a rota marítima da Tradição Jacobeia era muito bem conhecida e frequentada já em tempos apostólicos. Virgen del Pilar Zaragoza– Padroeira de Espanha e da Hispanidade Remonta ao ano 40 d.C. a lenda da sua origem, quando de acordo com a tradição cristã a Virgem Maria apareceu a Santiago Maior, em 2 de janeiro, em Caesaraugusta. Maria chegou a Zaragoza em “carne mortal” – antes da sua Assunção – e como testemunho da sua visita terá deixado uma coluna de jaspe conhecida popularmente como “o Pilar”. A primeira aparição da Virgem Maria não foi apenas uma aparição, pois ela ainda era viva. O fenômeno chamado de bilocação (estar em dois lugares ao mesmo tempo) aconteceu quando Nossa Senhora apareceu ao apóstolo Tiago Maior na Espanha, na Cidade hoje chamada Zaragoza. Documentos históricos do Vaticano indicam que a bilocação aconteceu em 02 de janeiro do ano 40. Maria apareceu a São Tiago para consolá-lo. O apóstolo estava na Espanha evangelizando e sofrendo muito com as perseguições. Um dia, Tiago perguntava a Deus em oração nas margens do Rio Ebro se mesmo com tudo aquilo ele deveria continuar ali, se valeria a pena o seu trabalho na Espanha. Neste momento a Virgem surgiu em uma aparição gloriosa em cima de um pilar, com anjos ao redor dela, e entregou a São Tiago a imagem de Nossa Senhora do Pilar, simbolizando a intercessão de Maria como um dos pilares do cristianismo. Nossa Senhora pediu ao apóstolo que ali, sobre aquele pilar, fosse erguido um templo como sinal de devoção à Virgem Maria intercessora. Esse foi o início do culto à Maria na Igreja. Ela assumiu seu papel de consoladora dos aflitos e advogada dos fiéis nas causas pedidas ao Senhor. São Tiago deixou ali os sete primeiros convertidos da cidade edificaram uma capela de adobe (argila e areia) nas margens do Rio Ebro. Este testemunho foi recolhido por um manuscrito em 1297 dos Moralia, sive Expositio in Job (cometário de São Gergório ao livro bíblico de Jó – livro da Sapiência do Antigo Testamento), que se encontra no Arquivo da Catedral del Pilar. Sobre a igreja moçárabe pre-existente, ergueu-se o templo românico do Pilar pouco depois da conquista de Zaragoza por Alfonso I – o Batalhador (1118). Nesta época documenta-se que o templo integrava una capela primitiva para alojar o Pilar, mas que em tão mau estado nos finais do séc XIII que o Bispo Hugo Mataplana promoveu o seu restauro e conversão em colegiata gótico-mudéjar de Santa Maria la Mayor com recursos de uma bula papal de Bonifacio VIII, que por primeira vez menciona a advocação «del Pilar». Actualmente o único vestigio conservado do templo românico do Pilar é o tímpano da igreja, colocado na fachada sul da basílica barroca. A devoção mariana iniciou no séc. XIII, com o inicio das peregrinações a Santa Maria la Mayor. Mas voltando a Santiago, no séc I d.C, seguiu a ordem de Maria para ir de volta a Jerusalém. No longo caminho Tiago passou por Éfeso, onde a Virgem morava. Na visita, ela anunciou ao apóstolo a morte que se aproximava e o consolou mais uma vez. Chegando a Jerusalém São Tiago foi morto pelos perseguidores. Segundo a tradição, depois da sua morte por decapitação em Jafa, na Judeia, o corpo e a cabeça do apóstolo foram transportados para a Galiza pelos seus discípulos Teodoro e Atanásio numa barca de pedra (barca de transportar pedra), que aportou no local onde é hoje Padrón, então o porto de Iria Flávia, e que foi amarrada à antiga ara de pedra que deu o nome à atual vila. Atanásio e Teodósio teriam sido intercetados pela Rainha Lupa à chegada de Iria Flávia (Ria de Arosa), onde a rainha vivia, e que os discípulos suplicaram-lhe para deixar sepultar o seu Amigo. A Rainha fingiu ceder ao seu pedido e disse-lhes: “Ide àquele monte e buscai dois bois que atrelareis a este meu carro e levai vosso Amigo e vosso Mestre para o sepultardes onde queirais!” Sabia Lupa que não havia bois mas sim touros bravos naquele pousio. Primeiro, apareceu-lhes um dragão que os atacou. Mas ao fazerem o sinal da cruz, o dragão desfez-se. E, milagre, os touros bravos quedaram em bois mansos. Ficou a Rainha convencida da missão religiosa que traziam os discípulos e depois de colocarem o corpo no carro deixaram que os bois seguissem o seu caminho. Onde eles parassem, aí seria sepultado o mestre. Ao lugar, chamaram-lhe, então, de «Liberum Donum» ou «Libre Don», em recordação desta oferta. Aqui construíram os discípulos uma capela e aqui viveram e morreram junto ao túmulo do Apóstolo. Num monte não muito longe do centro de Padrón, do outro lado do rio Sar, encontra-se um outro lugar de culto a Santiago: a pedra em cima da qual, de acordo com a lenda, Santiago celebrou missa. San Beato de Liébana (Picos de Europa) – Primeiro anúncio de Santiago Padroeiro da Espanha Beato de Liébana foi um monge famoso que viveu no final do séc. VIII, no Mosteiro de San Martin de Turieno (agora chamado de Santo Toribio) no Vale de Liebana, um dos mais belas e profundos vales da Cantábria povoados por refugiados cristãos depois da invasão muçulmana, no sopé dos Picos Europa. Beato foi uma figura importante deste tempo, cujas obras são os manuscritos medievais mais valorizados e estudados. Foram publicados diversos trabalhos sobre eles (e em diferentes idiomas), em folhas de reprodução, fac-símiles de qualidade impecável, etc. Isso também ajudou a beleza enigmática de sua arte e por que não dizer, o "misterioso e perturbador" (nas palavras de Joaquín Yarza) o texto do Apocalipse. A sua obra mais conhecida é o Comentário ao Apocalipse de São João, a qual teve grande difusão durante a Alta Idade Média, devido ao seu trabalho nos campos da teologia, política y geografia. Nela faz a explicação das revelações de São João acalmado a inquietação espiritual dos crentes, preocupados com os males de seu tempo, a proximidade do "fim do mundo" e da morte, desastres que tinham sido personificadas em Espanha pela invasão islâmica e o fim do reino visigodo-cristão. Outra das suas obras mais famosas é o Mapa-Múndi, uma das principais obras cartográficas da Alta Idade Média, reconhecido internacionalmente pelos historiadores de geografia e cartografia. Considera-se que o seu trabalho influenciou de grande maneira este campo durante os séculos com o tipo de Mapa de T em O. Foi baseado nas descrições de Isidoro de Sevilha, Ptolomeu e a Bíblia. Muito embora o manuscrito original se tenha perdido, restam-nos algumas cópias de fidelidade bastante grande respectivamente ao original. Este mapa surge reproduzido no prólogo do segundo livro dos Comentários ao Apocalipse de Beato de Liébana. A função principal do mapa não é a de representar cartograficamente o mundo, mas de servir de ilustração à diáspora primitiva dos Apóstolos, ou seja, o seu movimento para fora de Israel. A importância deste estudioso monge Beato na história da Espanha, é ainda maior, porque é o primeiro espanhol citando Santiago como patrono da Espanha em sua primeira minuta do comentário sobre o Apocalipse, aceitando a versão do Breviarium, e tipo hino o Dei Verbum em honra do apóstolo Tiago que devotamente canta como "caput refulgens Ispaniae aureum", "cabeça refulgente de ouro da Espanha". A propagação deste hino abriu o campo para a descoberta do túmulo de São Tiago em Compostela, no início do séc. IX. A Descoberta do Túmulo A descoberta do túmulo de São Tiago vem em um momento de grande fraqueza dos reinos cristãos. Os muçulmanos controlavam praticamente toda a península, tendo do seu domínio escapado apenas a pequena faixa Cántabro-Asturiana, onde um pequeno reino foi organizado, e o corredor Navarra-catalão integrado no reino de Carlos Magno. Uma lenda mediaval europeia conta que São Tiago apareceu a Carlos Magno, imperador do ocidente, no ano 800 d.C. e insistiu que este seguisse a Vía Láctea para chegar ao sitio onde se encontrava sepultado, para venerar as suas relíquias e libertar os seus caminhos dos muçulmanos, explicando que para o encontrar devia seguir o caminho indicado pela Via Láctea. Esta, a "estrada de leite" (em latim devido ao seu aspecto de mancha esbranquiçada no céu), era formada pela poeira levantada na passagem dos peregrinos, e seguindo-a chegaria a Compostela, ou Campus Stellae que significa em latim "campo de estrelas", em alusão à lenda da descoberta do túmulo pelo eremita Pelágio. Nos elementos que compõem a relato de Pseudo Turin, Liber Santi Iacobi, se conta o seguinte: “(…) e olhando Carlos Magno para o céu viu um caminho de estrelas que começava no mar da Frísia e ia pela Alemanha e pela França, e pelo meio de Gasconha e Navarra, e pela Espanha adiante, terminando na Galiza onde estava sepultado o corpo de Tiago.“ Segundo refere a tradição, o eremita Pelayo que vivia no lugar de Solovio, no bosque Libredón em 813d.C, observou durante várias noites consecutivas uns replandeceres misteriosos sobre um montículo do bosque, como se fossem chuvas de estrelas. Muito impressionado pelas luzes, Pelágio decidiu apresentar-se a Teodomiro, então bispo de Iria Flávia para lhe comunicar o que tinha visto. O bispo reuniu um pequeno séquito e dirigiu-se ai lugar onde também ele contemplou o fenómeno. Foi ali, entre a densa vegetação do bosque, que encontraram um sepulcro de pedra no qual respousavam três corpos, que seriam identificados como sendo de Santiago Maior e dos seus dois discípulos Teodoro e Atanásio. O bispo viu esta ocorrência como um milagre e informou o rei Afonso II das Astúrias, que foi o primeiro peregrino e ordenou a construção de uma capela no local que se converteu gradualmente num importante lugar de peregrinação. Em 829 a capela foi substituída por uma primeira igreja, que mais tarde deu lugar a uma segunda igreja pré-românica em 899, construída por ordem do rei Afonso III. Por fim, em 1075, durante o reinado de Afonso VI, iniciou-se a construção da Catedral de Santiago de Compostela. A superioridade dos muçulmanos era evidente naquele tempo, e a descoberta do sepulcro tornou-se foi tão importante, que o apóstolo se tornou um pregador guerreiro, e a sua figura símbolo da luta dos cristãos contra os muçulmanos. Santiago passava a ser o defensor da Espanha e da Península Ibérica, e a sua sepultura o mais importante centro de peregrinação no mundo cristão, ultrapassando a Roma e Jerusalém. A lenda consolidou-se com o Códice Calixtino, ou Liber Sancti Jacobi ("Livro de Santiago") no Séc. XII. Dos 5 volumes que o compõem, o mais conhecido é o 5º, que se constitui no mais antigo guia para os peregrinos que faziam o Caminho rumo a Santiago de Compostela, incluindo conselhos, descrições do percurso e das obras no arte nele existentes, assim como usos e costumes das populações que viviam ao longo da rota. Os demais livros do códice contém sermões, narrativas de milagres e textos litúrgicos diversos relacionados com o apóstolo São Tiago. ![]() Cronologia da Tradição Jacobeia: 02 de janeiro de 40dC - El Pilar de Zaragoza e Maria para confortá-lo (Padroeia da Espanha e da Hispanidade) 390 dC – São Jerónimo – tradução da Bíblia Hebraica em Latim 776 dC – São Beato de Liebana – Mapamundi, Comentários ao Apocalipse e lenda da trasladação do corpo de Santiago 800 dC - Aparição a Carlos Magno (Imperador do Ocidente) - Vía Láctea até ao túmulo 812 dC – Pelágio – milagre da descoberta do túmulo (agora Igreja de São Félix de Solovoio – Mercado de Abastos) 834 dC - Afonso II, o Casto - 1º peregrino e 1ª igreja 23 de maio de 844 dC – Batalha de Clavigo Aparição a Ramiro I (visão imaginária de Santiago, com seu reluzente cavalo branco e espada como um relâmpago, ajudando os exércitos cristãos e decapitar os muçulmanos) Sec XII – Códice Calixtino consolidação da lenda As viagens e o testemunho de São Paulo Segundo Alberto Solana de Quesada, São Paulo deixou-nos um testemunho claro de que efetivamente os apóstolos concretizaram a evangelização de todo o mundo conhecido, e de que se cumpria a profecia do Salmo 19, tal como diriam muitos patriarcas da Igreja, citando expressamente a Hispania, e Finisterre (final da terra). ![]() Na sua Epístola aos Romanos, São Paulo anuncia o seu propósito de viajar a Espanha, e fá-lo de forma que sugere uma evangelização prévia: "Mas, agora, já não tenho com que me ocupar nestas terras; e como há muitos anos tenho saudades de vós, espero ver-vos de passagem, quando eu for à Espanha. Espero também ser por vós conduzido até lá, depois que tiver satisfeito, ao menos em parte, o meu desejo de estar convosco." Romanos 15, 23-24. E reitera a sua intenção dizendo "Logo que eu tiver desempenhado essa incumbência, e lhes tiver feito entrega fiel dessa coleta, irei à Espanha, passando por vós." Romanos 15, 28. Independentemente de ele ter chegado ou não a cumprir o seu propósito, estas palavras falam da existência de uma comunidade cristã em Espanha consolidada em época anterior a ele, que desejava conhecer pessoalmente "há muitos anos". Uma comunidade cristã do séc. I d.C. que se pode considerar a primeira Igreja da Península Ibérica, e que terá sido iniciada por um dos doze. Se esta epístola foi escrita até ao ano 57 d.C., a presumível evangelização terá iniciado bastante antes, podendo ter sido cronologicamente em vida de São Tiago. |